3 de maio de 2010

Pseudo-resenha: O Senhor das Moscas, de Peter Brook

(Eu havia começado a escrever essa resenha logo depois de ter assistido ao filme, na semana retrasada, mas acabei deixando ela inacabada. Hoje, porém, eu passei por uma situação tão maluca que tive que terminar a dita cuja de qualquer modo.)

Um fato bastante conhecido sobre o ser humano é que ele é um ser político, social. Não consegue viver fora do seio da sociedade, de seus compadres. Se lhe falta o elemento social, ele rapidamente retorna ao seu estado primal e animalesco e, mais rápido do que você possa dizer “Pindamonhangaba”, ele está lá, desenhando pequenos bisões com giz de cera na parede da cozinha.

On the other hand, o ser humano também não é lá muito melhor na vida em sociedade, pois, como se sabe, cada um de nós mantém dentro de si um pequeno visigodo com espuma no canto da boca, pronto para saltar para fora a qualquer momento e distribuir perdigotos e croques entre as pessoas que estão no seu raio de alcance.

É sobre esse aspecto mais negro da natureza humana e sobre a nossa incrível falta de jeito para a civilização em tempos de crise (às vezes, nem é preciso tanto) de que fala o filme ao qual assisti recentemente: O Senhor das Moscas, de Peter Brook. Adaptação do romance homônimo de William Golding, ele conta a história de um grupo de garotos ingleses que fica preso em uma ilha deserta após o avião que os transportava cair no mar durante uma tempestade. Ali, eles acabam por dar vazão ao que tem de melhor e pior dentro de si no que é um microcosmo do universo de lutas pelo poder o qual presenciamos todo santo dia.

O Porquinho e Ralph: a democracia e a razão em meio à loucura

No início, acompanhamos os passos de dois garotos: um maior chamado Ralph e outro menor cujo nome não sabemos, mas que é chamado a contragosto de Piggie (ou Porquinho mesmo). Após recobrarem a consciência, eles vão até a praia e encontram uma concha que usam como corneta para reunir todos os outros. Todos juntos, eles realizam uma pequena assembléia na qual se apresentam e definem as tarefas que cada deve desempenhar para se manterem vivos até o resgate chegar.

Durante a reunião, dois garotos se sobressaem sobre os outros por serem os mais velhos do grupo: Ralph e Jack. Após uma votação, Ralph é eleito chefe, ficando a seu cargo comandar todos os outros e ajudar na construção dos abrigos, enquanto Jack e seus companheiros do coral tornam-se responsáveis por caçar e manter acesa uma fogueira para que eles possam ser avistados, caso alguém passe por perto da ilha.

Porém, durante uma de suas caçadas, o grupo de Jack acidentalmente deixa que o fogo se apague, justamente no momento em que um avião passa pela ilha. Assim tem início os conflitos entre os personagens: irritado pelas acusações do Porquinho, Jack lhe dá um tapa na cara e quebra os seus óculos. Após esse incidente, uma nova reunião é marcada e Ralph volta a lembrar a todos que o objetivo principal é o resgate, mas aqui a civilidade outrora valorizada por todos começa a dar lugar a uma anarquia indisciplinada, que mais tarde é substituída por um governo autoritário comandado por Jack.

Outro assunto em pauta durante essa reunião é a existência ou não de um monstro na ilha. Alguns afirmam tê-lo visto, outros dizem se tratar de um fantasma. Por fim, os garotos fazem uma votação na qual decidem acreditar que há mesmo um monstro na ilha, apesar das advertências do Porquinho, que deixa bem claro que não acredita em nada daquilo. Nessa cena, se sobressai outro personagem, chamado Simon, que faz uma observação eloqüente sobre a situação, mas que é posta de lado por todos: “Talvez exista mesmo um monstro. O que eu quero dizer é que talvez ele seja nós mesmos”.

Simon e a oferenda ao monstro. Talvez ele esteja dentro de nós mesmos.

Em O Senhor das Moscas, cada personagem caracteriza uma face da natureza humana: enquanto Ralph, Simon e o Porquinho representam democracia e a racionalidade, Jack e seus amigos representam o autoritarismo, a sede de poder, a loucura e a irracionalidade da alma humana.

Aos poucos, todos os garotos vão perdendo os seus traços de civilidade e de educação anteriores. Com a certeza de um monstro a solta, eles entram em histeria coletiva e Jack e seu grupo decidem procurá-lo e caçá-lo no único lugar não-explorado da ilha: o topo da montanha. Chegando lá, eles avistam alguma coisa por entre as sombras, mas o medo fala mais alto e eles saem correndo do local.

Junto do grupo, Jack passa a questionar mais uma vez a utilidade e a autoridade de Ralph dentro do sistema de governo por eles instaurado e clama a todos para que o monstro seja caçado e destruído. Ralph, por sua vez, mantém sua posição de líder e diz aos outros que eles sozinhos não tem chance contra o monstro e que o melhor é que eles fiquem escondidos. Irritado por nunca ter suas vontades feitas, Jack se desmembra do grupo e convida os outros a formarem uma nova tribo para que eles possam “caçar, festejar e se divertir”.

Intrigado pela situação, Simon vai até o pico do monte disposto a encontrar a verdade. Lá, descobre que o que os outros acreditavam ser um “monstro” é na verdade o corpo do piloto do avião há muito esquecido. Revelado o mistério, ele desce até onde Jack e os outros estão dando uma festa para avisá-los, mas ao chegar por entre as árvores é confundido com o monstro e morto a sangue frio pelos outros. É a vitória da histeria e da loucura sobre a racionalidade.

O grupo de Jack e a celebração da violência

Por falar nela, outro personagem que a representa bem no filme é Piggie, o Porquinho. Apesar de sua aparência débil e ser constantemente ridicularizado pelos outros por ser gordo e usar óculos (mesmo que seus óculos sejam a única maneira de eles conseguirem fazer fogo), ele em nenhum momento defende a barbárie à qual a maior parte dos outros garotos se entrega de bom grado. Pelo contrário: durante todo o filme ele advoga a razão, mas nunca é ouvido.

Como não poderia deixar de ser, esse desprezo todo acaba assumindo um final trágico: quando ele e Ralph vão até o grupo de Jack recuperar os óculos que haviam sido roubados na noite anterior, ocorre uma violenta discussão. Zombado por todos, o Porquinho pergunta: “O que é melhor ser? Um bando de selvagens pintados como vocês ou gente sensata como Ralph?” A resposta vem logo em seguida, quando um dos garotos do grupo de Jack lança uma enorme pedra do alto do penhasco e esmaga o Porquinho. Outro ponto para a barbárie.

Por fim, o filme culmina na caça que Jack e seus amigos empreendem contra Ralph, que se tornou uma presença intolerável para o restante do pessoal. Eles o perseguem por toda a floresta enquanto cantam a música de suas caçadas aos porcos do mato ("Matem o porco! Cortem sua garganta! Matem o porco! Esmaguem ele!”) e acabam causando um incêndio. Encurralado, Ralph rasteja desesperadamente até a praia, onde finalmente se depara com a figura de um comandante de navio, que o olha para toda aquela situação de forma incrédula.

É o reencontro com a razão.

ATUALIZAÇÃO: O Bauducco me disse que seria melhor se eu avisasse aos leitores quanto aos spoilers que o texto pode conter. Pois bem: Esse texto tem spoilers. Cuidado.

4 comentários:

Ciro Gonçalves disse...

Momento Superinteressante: Vc sabia q esse filme serviu de base para o seriado LOST?

Vc sabia q exite um Jack no LOST? Mas ele está mais para Ralph doq pra outro personagem.

Vc leu o livro? Se quiser arrumo pra vc.

Td obra inglesa ou americana tem um Jack. Mas sempre q ouço esse nome em um filme ou livro penso "queria ser esse cara" ou "ele teve ser um personagem stupidbastardmotherfocker"

é isso

Pablo disse...

Não sabia dessas. Gostaria de ler o livro, se você puder conseguir ele emprestado, seria muito bom. Quanto ao filme, ainda tenho ele no computador. Depois te passo em um pen drive.

Di disse...

Já tentei ler o texto três vezes para dar minha opinião sobre o conteúdo, mas a forma de escrever do Pablo é maçante. Você tem muito futuro no meio acadêmico.

Adoro o blog. Mas que essa resenha é um saco, é.

Pablo disse...

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